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Texto e fotos de Marcelo Afornali – [email protected]

Essa bicicleta tem uma longa história, sem trocadilhos. Não bastasse seus mais de 100 anos de vida ela deu muito trabalho para chegar nas minhas mãos.

Adquirida de colaborador da Alemanha, esta Dürkopp Diana, fabricada na Áustria em 1902, foi enviada via aérea ao Brasil e ficou presa por mais de seis meses na alfândega do aeroporto Affonso Pena, em São José dos Pinhais (PR).

Como sou extremamente persistente e, como todo brasileiro “não desisto nunca”, tentei de todas as formas um contato com o Decex (Departamento de Comércio Exterior), em Brasília, para a liberação do que havia sobrado desta bicicleta, para dar o devido tratamento ao veículo.

Infelizmente compreendi o que é um órgão público. Cheguei telefonar 17 vezes num mesmo dia para o tal Decex, tentando de todas as formas liberar esta Dürkopp.

De tanto “perturbar” aquele órgão federal, já que não estava importando algo proibido, consegui liberar a bike com a ajuda do despachante aduaneiro Tom Lara. Para retirar o veículo da alfândega, taxas e mais taxas foram cobradas pela Receita Federal e o montante ultrapassou os R$ 2 mil.

TRABALHO DE SUPERAÇÃO

Somente com o quadro, garfo e o guidão na mão (perderam o cubo na Aduana), comecei a refazer a bicicleta. A parte de lataria foi refeita por Tadeu Chudzikiewicz, que fez milagres para salvar o conjunto.

Várias partes do quadro foram refeitas, sempre com muito capricho e talento, lembrando que uma verdadeira restauração leva em conta a fidelidade ao conjunto original, o contexto da época e os acessórios corretos para tal.

Pensando nisto, agreguei pára-lamas e aros de madeira, pois o uso desses acessórios não interferem na bicicleta, pois são corretos para o período em que a bike foi fabricada.

Com a lataria pronta e o serviço de pintura encaminhado, as peças que deveriam receber galvanoplastia foram entregues ao profissional. Após algum tempo, as peças receberam o devido trabalho e o banho de níquel as deixou como novas, num trabalho de altíssimo nível técnico e estético.

Depois de receber o quadro e o garfo pintados e as peças niqueladas, minha alegria foi enorme, pois a equipe havia se superado mais uma vez! Ainda com problemas de peças (pois restaurar uma bicicleta centenária não é simplesmente desmontar e montar), consegui com um amigo alemão o guidão completo com sistema de freio e sapatas e um cubo original F&S, novo e sem uso.

SELIM DE CAPIM, FAROL A VELA

Com um terceiro também alemão, consegui o cubo traseiro (padrão da época) em perfeitas condições de uso, bastou niquelar.

Da Suécia, por colaboração de meu amigo Kjell Alqjvist, veio o selim, por sinal novo e sem uso, ainda com o couro em perfeitas condições. O curioso é que este possui “capim” (fibras vegetais), já que muitas das técnicas adotadas nas bicicletas dos anos 30/40/50 eram desconhecidas no início do século XX.

Após o veículo semi-montado, alguns parafusos originais como de freio, manete e o parafuso Expander do guidão foram temperados e banhados em óleo, para ficarem pretos exatamente como eram há mais de 100 anos.

Seguindo o processo de montagem, já com rodas e pára-lamas inclusos, a caixa central foi montada com muito zelo (todas as partes são originais, bacias, eixo), sendo que a única nova que a caixa precisou foram novas esferas de 8 mm novas. No restante, apenas limpeza.

Para finalizar o conjunto, a bicicleta recebeu lanterna iluminada a vela (sim leitores, vela comum, de parafina mesmo) marca Riemann’s, bolsa de ferramentas alemã, bem como um cadeado novinho. Esses acessórios são originais da época, novos e sem uso, e complementam o veículo e a restauração.

POUCOS EXEMPLARES

De fato, muito trabalho foi empregado nesta bicicleta e os custos da restauração passaram a ser exorbitantes, pois nada foi perdoado e tudo foi agregado da forma mais correta possível.

Peças raríssimas foram compradas a “preço de ouro”, pois bicicletas deste tipo e desta época são verdadeiras preciosidades, tão raras, que poucos museus europeus possuem um exemplar similar. Calculo que existam menos de 50 bikes como essa no mundo.

Até este momento, esta “Dürkopp Diana 1902” é a bicicleta mais antiga cadastrada no Brasil, levando-se em conta a idade, o estado e as condições de uso.

IMPRESSÃO AO PEDALAR

De início, estranha-se o fato de ser uma bicicleta de pinhão fixo, como as atuais bikes de velódromo. O freio dianteiro é apenas por segurança, e controla-se a velocidade com a ajuda dos pedais.

Posso dizer com plena convicção que apesar da idade avançada, é simplesmente a melhor bicicleta que já pedalei minha vida, pois além de macia, possui o pedalar mais leve que já senti.

Nada se compara ao pedalar desta bicicleta, nada mesmo… Ela é simplesmente linda, perfeita e rara. Essa testemunha da História sobre duas rodas, esta centenária Dürkopp Diana 1902.

AGRADECIMENTOS

Agradeço de coração aos que participaram deste projeto, direta e indiretamente, pois trabalharam muito, muito mesmo para salvar uma parte da história sobre rodas, o único exemplar desta bicicleta no Brasil e um dos poucos que ainda restaram no mundo.

Tadeu Chudzikiewicz: Pela paciência, zelo e qualidade em seu inquestionável trabalho de recuperação

Kjell Alqjvist: Pelo envio de fotografias, informações e peças

Wolfgang Fickus: Ex-dono deste exemplar, que acreditou ser possível resgatar uma peça histórica da destruição

Jeferson Nedbailuk: Grande amigo e torneiro, extremamente paciente e que fabricou várias peças de acabamento desta bicicleta

Valdeci Martinhaque: Especialista em cromo e técnicas de resgate de materiais, pois salvou com maestria todas as partes niqueladas deste exemplar

FICHA TÉCNICA

Marca: Dürkopp
Modelo: Diana – Restaurada
Ano: 1902
Origem: Áustria
Acessórios: Aros de madeira marca GOT, pára-lamas em madeira (de época), Cubo dianteiro original F&S (zero km), Cubo traseiro com pinhão fixo (padrão de época), Coroa de passo 5/8, Selim do período confeccionado em couro e “capim” (fibras vegetais), Cadeado Turíngia, Pedais Look, Punhos em Jacarandá similares aos do início do século, Pneus Michelin (de época) na clássica cor Creme, Farol à vela Riemann’s
Proprietário: Marcelo Eduardo Afornali – Curitiba, PR