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Fotos: arquivo pessoal

Ricardo e Filomena Mendes contam sobre a viagem para a Islândia

O casal português Ricardo e Filomena Mendes pedalou quase 2 mil quilômetros pela Islândia. “Somos uma dupla movida a energia positiva e gostamos de viagens em bicicleta que inspiram e desafiam, aproximando pessoas e sensibilizando para os recursos do planeta”, contam. De 27/8 a 16/9, pedalaram rodeados de vulcões e glaciares no meio de picos de montanhas. Confira o relato:

A natureza intocada, com tons cinza de solos vulcânicos

1ª semana
Como dois cataventos à solta na Islândia
Movemo-nos como este vento que corre livremente neste país gelado. O vento do primeiro dia, que nos fez cair várias vezes, levou-nos de volta aos ventos patagônios. Nenhum deixa saudades, mas ficam marcas e recordações indeléveis
Por todo o lado nota-se a natureza intocada, tons cinza de solos vulcânicos e rochas de lava cobertas de verde. Nada daquilo a que estamos acostumados existe aqui: não se vê um papel, um saco de plástico, uma garrafa ou um outdoor a violar esta natureza quase virgem.
A Blue Lagoon surgiu como uma miragem numa paisagem cinzenta e nua. Banharmo-nos nela também foi uma miragem que nos custaria cerca de 35 euros. Alimentamo-nos da visão grátis e das fotos que imortalizamos, apesar das mãos tremerem do frio que se sentia no local.

Paisagens deslumbrantes no meio do caminho

Ainda a sul, outras visões se nos apresentavam: o Geysir, um conjunto de fumarolas em que a maior expele água a 100 graus centígrados a cada oito minutos, apesar de impressionar uma enorme massa turística, ficou aquém das nossas expectativas. Expectativas essas que foram largamente ultrapassadas assim que chegamos a Gulfoss: uma catarata incrível, de uma beleza e dimensões dignas de um postal ilustrado.
Ao quarto dia, as previsões meteorológicas (confirmadas pela manhã) aconselhavam prudência. Foram duras as condições climáticas que enfrentamos nos dias anteriores, com pouco ou nenhum repouso. Sabemos que os próximos 400 quilômetros numa estrada de montanha que atravessa dois glaciares serão em total isolamento. Por isso, hoje, é dia de descanso e de esperar que a chuva pare. As highlands aguardam-nos…

Pedal pela Islândia: highlands

2ª semana
As highlands no coração da ilha
Apesar da chuva, dirigimo-nos para o momento mais aguardado: a entrada nas Highlands. A via de montanha F26-Sprengisandur, totalmente offroad, espraia-se à nossa frente, em retas intermináveis, subidas incontáveis, e solo desértico até perder de vista.
Não sabemos que erupções ali houve, nem há quantos milhões de anos, mas tudo dizimaram à sua volta e não há um sinal de vida. O cinza acastanhado da paisagem inunda-nos os olhos, até termos a primeira visão dos dois glaciares entre os quais iríamos passar…
Uma beleza que quebra a monotonia, num dia ensolarado mas frio, que nos leva até ao “hut de montanha” de Niydalur, no Parque Nacional de Vatnajokull, único abrigo em toda aquela extensão.
É, para nós, um autêntico hotel de 5 estrelas, com “varanda” para os glaciares, onde chegamos exaustos e a raiar a noite. Mal sabíamos que íamos por lá ficar vários dias, até que um nevão inesperado e um vento assustador nos permitissem rumar em direção ao Norte.
O momento chegou ao terceiro dia de espera, em que um vento Sul, completamente a nosso favor, nos empurrou literalmente durante 130 quilômetros, com as montanhas e caminhos nevados a completarem a moldura selvagem.
Nestas paragens, até os jipes partem os eixos, e nós rompemos as pernas! Mas tudo passa no final, perante o espetáculo natural da Godafoss, ou cascata dos Deuses. É um colosso natural a que nenhum mortal pode ficar alheio.

Cenários gelados na Islândia

Damos a volta ao Lago Myvatn no dia seguinte e constatamos a enorme diferença entre o Norte e o Sul deste país gelado: aqui tudo é verde e as famosas ovelhas e cavalos puro-sangue Viking têm muito pasto e oferecem-nos belas fotos.
Há água por todos os cantos, e ela ferve e borbulha a sair da terra. Nós também borbulhamos nos “hot pots” de que vamos usufruindo pelas guest houses e hostels onde vamos ficando. É um modo de vida por aqui, e não seríamos verdadeiros islandeses honorários se não vestíssemos a pele deste povo!

Neve e vento são adversários que devem ser vencidos durante a pedalada

3ª semana
E a  neve tudo rodeou
Dirigimo-nos para a segunda maior cidade deste país, Akureyri, num dia de pesadelo: o vento estava indomável, contra ou do flanco direito, em rajadas capazes de nos fazer cair, assim como nos caíam as lágrimas pela cara devido à violência daquele vento fustigante, que quase nos cega. Chegamos semi-moribundos a Akureyri, cuja beleza e paisagem circundante ao fiorde onde está localizada, nos tranquiliza e nos deixa recuperar e passear.
Segue-se Varmahlid num dia bem mais tranquilo, embora já estivéssemos avisados da tempestade que se previa para esse fim de dia, e à qual ainda escapamos. De manhã, o cenário é belo mas assustador: mais um nevão com vento fustigante, que deixa um manto branco até onde a vista alcança, e que ao longo do dia vai engrossando e trazendo cada vez mais hóspedes para a nossa farm house. Atrevemo-nos a sair no dia seguinte, mas não vamos longe: recomeça a nevar, o piso parece uma pista de patinagem no gelo, o vento aumenta à medida que subimos a montanha, o limpa-neve e os veículos de resgate não têm descanso… resta-nos pedir ajuda, porque queremos mais tarde contar a história!
Já no hostel, não queremos acreditar nos riscos que quase corremos, pois na descida da montanha o vento ter-nos-ia arrastado por um precipício. Agora estamos a ferver no hot pot de Saeberg, e o dia seguinte leva-nos tranquilos até Borgarnes, embora os quilômetros se tenham tornado um verdadeiro inferno!
Chegamos ao último dia de pedaladas sérias, e um caso sério foi o que tivemos ao encontrarmos um túnel proibido a bicicletas a cerca de 52kms do destino, Reykjavic. Foi um balde de água fria (como se a da chuva persistente não bastasse) saber que tínhamos antes 92kms até à capital, obrigando-nos a ir dar a volta completa a um fiorde. Belo, mas não havia necessidade…
Reyjavik é moderna, tranquila demais para os parâmetros de uma capital europeia. Apreciamos o sossego, mas a vida noturna que caracteriza o fim-de-semana islandês aniquila esse sossego.

Filomena e Ricardo Mendes são apoiadores da instituição Terra dos Sonhos

Epílogo
Não são os números que fazem uma viagem de sonho. Os quilômetros ambicionados, os desníveis previstos, os dias programados ficaram aquém do planeado. Mas as expectativas planeadas foram largamente ultrapassadas, pois tivemos experiências únicas, em cenários de sonho, com amizades imprevistas. Nesta ilha, todos os sentidos experimentaram a natureza em estado puro. A esta latitude tudo se torna imprevísivel, os 6 dias que ficamos retidos e os 1.400 quilômetros percorridos hoje parecem pouco vistos à distância num lugar seguro.

Terra dos Sonhos
Ricardo e Filomena Mandes são apioadores da instituição Terra dos Sonhos. “Todos podemos ajudar a Terra dos Sonhos. Enquanto nós convertemos a nossa energia e vontade de ajudar em pedaladas, qualquer pessoa pode ajudar sem sair do seu lugar. Basta consultar as várias formas de ajudar no site http://www.terradossonhos.org”, diz Filomena.

Agradecimento
Cofides Competição; Movefree Bike performance Center; D-Maker; Ortik; Bike Magazine; Bivaque, Extramedia. Um agradecimento muito especial à missão da Força Aérea Portuguesa – Iceland Air Policing, que nos recebeu e transportou as nossas bagagens no regresso a Portugal.

Mais informações e fotos no site http://icelandlusoexpedition.yolasite.com/galeria.php