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Turma do Pedal Caburaí

Turma do Pedal Caburaí que integrou a Expedição Serra do Sol 2014

Entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro o grupo Pedal Caburaí, de Boa Vista-RR, encarou a Expedição Serra do Sol 2014, e escalou a imponente montanha de 2.250m entre o Brasil e a Venezuela.

CONFIRA O RELATO
Texto: Elto Oliveira e Dilamar Lewiski
Fotos: Lewiski, Randerson e João Swamy

Sierra Del Sol (Wey Tepui), uma imponente montanha de 2.250m cortada pela linha de fronteira entre o Brasil e a Venezuela, a menos de 30km ao Sul do Monte Roraima. O principal destino do extremo Norte do Brasil, por trilheiros e aficionados pelo mundo off road. Não há um único ser “motorizado” que não tenha ouvido falar ou sonhado em chegar lá. Os bikers, até então, era impossível.

Em 1º de novembro de 2003, chegam os primeiros brasileiros em motos próprias para trilha. No ano de 2007 surgiu a ideia de fazer o percurso de bike. Em 2012 um pequeno grupo se aventurou a chegar no Salto Kae Meru, metade do percurso. Chegaram muito perto, mas não haviam se preparado o suficiente e por questões de segurança, optaram por retornar. Não sabiam eles que isso seria uma alavanca para o grupo Pedal Caburai estabelecer um objetivo – chegar a Serra do Sol de bike.

Dia 30 de novembro de 2014, chegavam em Santa Elena de Uairaém, na Venezuela Ademir Timbó Bezerra, David “Jabota”, Dilamar Lewiski, Elton Oliveira, João Swamy Miranda, os gêmeos Kleiton e Kleber Pinheiro, e Randerson Aguiar, preparados para o “Pedal Caburaí – Expedição Serra do Sol. Além do duro e incessante treinamento, houve todo um planejamento para a logística que contaria até com apoio aéreo para levar o material de camping, alimentos e até um cozinheiro/garçom.

Belo cenário da Expedição Serra do Sol 2014

Belo cenário da Expedição Serra do Sol 2014

31 de outubro de 2014

São 4h da manhã e as luzes se acendem. O cansaço dos preparativos finais e a viagem 230km de Boa Vista-RR tornaram ainda mais difícil sair da cama. Mas o quadro horário distribuía apenas 30min para a alvorada e o café da manhã. Protetor solar, luvas, capacete, sapatilha, bolsas de hidratação abastecidas… tudo conferido no dia anterior, mas a sensação é que sempre falta alguma coisa.

15km de asfalto de carona em um caminhão de Jimmy Siqueira, venezuelano filho de brasileira, e chegamos na ponte de concreto da Divina Pastora, onde o pedal realmente começa – 10 km de savana plana até o rio da Divina Pastora e o dia então renasce com oito bikers pedalando sobre relva molhada pelo orvalho. Com 23km chegamos em Santa Rosa, pequena comunidade indígena onde cobram uma pequena taxa, como um “pedágio”.

A vegetação rasteira da savana ainda estava molhada com o sereno da noite quando chegamos no Retentor – subida íngreme e pedregosa que se destaca na rota pela dificuldade de vencê-la pelos 4×4 e motos. Lá no alto uma laje onde há água corrente e refrescante para completar os reservatórios. Alimentação e reidratação são uma preocupação constante do grupo. Às 9h20 alcançamos os marcos da fronteira, limite da Venezuela com o Brasil. Mas ainda estávamos longe do nosso objetivo final.

Expedição foi feita entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro

Expedição foi feita entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro

A savana foi ficando pra trás enquanto entrávamos na região de serra. Muitas subidas e descidas, cortadas por igarapés. O sol, que surgiu tímido e belo ao amanhecer, agora castigava. Para alívio de todos, às 11h20 chegamos no Salto Kae Meru. Uma imponente cachoeira de mais de 30 metros de queda d’água do rio Arabopo, que nasce no alto do Monte Roraima e serpenteia pela savana deserta até encontrar o rio Kukena. A beleza e grandiosidade do Salto K, como também é conhecido na Venezuela, impressiona e convida para uma pausa. Estávamos seguindo o quadro horário, até aqui, tudo certo, merecíamos este “presente”.

Após o banho, mais savana, mais subidas, mais pedras. O relógio marcava 15h ao chegarmos no pé da última grande serra. Uma subida de três quilômetros onde pouco, ou nada, se pedala. Uma parada programada, prevista no quadro horário, em um igarapé com água pura, fresca e abundante para que todos pudessem descansar e enfrentar mais uma sugada hora com a bike.

O último obstáculo a ser vencido foi o “Retentorzinho”. Uma subida forte, inclinada, muitas pedras… Com as bikes nas costas a solução é caminhar. Um passo de cada vez, afinal, não somos profissionais nem contamos com o condicionamento dos grandes atletas. Dosando o esforço com a distância, metro após metro nossa meta se aproxima. No alto, a recompensa: a Serra do Sol, ao longe ainda, nos dando as boas vindas. Agora pouco menos de 20 km nos separam do ponto final. À nossa frente, a linda savana cortada pelos marcos da fronteira dividia dois países e, ao mesmo tempo, nosso objetivo.

O barulho do vento cortando o rosto, o ronco dos pneus em contato com o solo, a troca de marchas e a visão do imponente tepui a nossa frente nos dão a certeza de que todo esforço valeu a pena. Meses de planejamento, quilômetros e mais quilômetros de treinamento e preparação para chegar ali.

Quando chegamos ao acampamento, o sol começava a repousar no horizonte, a pequena cachoeira nos chamava para o banho e a emoção tomou conta do grupo. Uns mais contidos. Outros com os olhos brilhando delatando uma lágrima que fugia. Era a sensação do dever cumprido, a sensação de que todo tempo e esforço dedicado à preparação valeu a pena, pois a visão que a Serra reservava aquele grupo de oito bikers extenuados por um dia inteiro de trilha, do mais puro mountain bike, fez ressurgir no grupo a energia dispersada no decorrer do percurso.

As barracas rapidamente foram montadas, banho também rápido devido à fria água da cachoeira, e acabamos também rapidamente com a macarronada, afinal, ninguém mais suportava as tais das barras energéticas. A conversa após o jantar foi curta pois o longo dia deixou todos exaustos e no 2º dia teríamos outro desafio.

Grupo Pedal do Caburaí no percurso

Grupo Pedal do Caburaí no percurso

2º dia – 1º de outubro de 2014 – No topo da Serra do Sol

Nosso objetivo hoje era chegar ao topo da Serra do Sol, com 2.250 metros e deixar lá uma pequena placa como lembrança do feito do grupo Pedal Caburaí. Levando em consideração o desgaste do dia anterior e a dificuldade que seria a escalada, decidimos que apenas aqueles que estivessem se sentido melhor fisicamente realizassem a subida da Serra, afinal seriam 18km de pedal entre a ida e a volta e mais 3 km a pé para alcançar o topo, mais 3km para descer, o que com certeza exigiria um ótimo condicionamento e resistência, ainda mais depois de todo o esforço realizado no dia anterior.

Então, Randerson e Lewiski calçaram as sapatilhas, capacetes e partiram. Uma parada rápida no caminho para apanhar água, colocar o tênis mais adequado para a subida e às 8h eles deram os primeiros passos. Aos poucos, a imensidão da savana venezuelana ficava para trás. Passos curtos, constantes, sempre procurando por “degraus” para apoiar melhor os pés e evitar torções ou escorregões. Três lances de subida até a parte mais preocupante e perigosa. Há de se ter maior cautela por ser bastante íngreme e existe a possibilidade de pedras se soltarem. O uso do capacete foi uma prevenção.

Na parte da “escalada” há uma espécie de “fenda” arredondada por onde o vento “afunila” fazendo ainda mais pressão. No alto deste estágio, pedras maiores são rapidamente ultrapassadas até chegarmos a região plana onde forma-se um pequeno alagadiço com bromélias.

Chegamos então à reta final para o cume. O vento agora mais forte e a formação de nuvens começou a encobrir o topo da Serra. Íamos entrando no nevoeiro ao passo que o caminho se afunilava. Os últimos metros tornaram-se assustadores, pois a estreita passagem, ladeada por dois abismos e que somados ao vento forte, causava vertigem e a sensação de medo foi inevitável.

A placa marca o feito do grupo

A placa marca o feito do grupo

Ventava muito, estávamos literalmente sendo engolidos pelas nuvens e eram 10h quando alcançamos o cume da Serra do Sol. Talvez isso não fosse nada para muitos alpinistas, mas para nós, simples aventureiros de fins de semana, foi a glória. Havia outras placas lá mas, provavelmente, a ação dos fortes ventos as levaram para longe, mesmo assim, deixamos a nossa lá também, usamos algumas pedras para proteger a placa.

Sentamos por poucos minutos para sentir melhor a energia do lugar, curtir a vista quando as nuvens se abriam. Agradecemos a Deus e iniciamos o caminho de volta, sempre com o mesmo cuidado e cautela. Ao alcançarmos as bikes tudo ficou mais fácil, pois, além do caminho ser descendo, o vento também estava a nosso favor.

Eram 12:30 quando chegamos no acampamento, o almoço estava no ponto para ser servido. Fomos recepcionados com festa pelos companheiros que ficaram na torcida – o segundo objetivo foi alcançado – missão cumprida!

Após a “cesta do almoço”, resolvemos nos dar um momento de relaxamento, percorremos aproximadamente 5km pela savana para mais um banho de cachoeira, desta vez no Salto Chirimatá. Pudemos apreciar a  imagem da Serra do Sol ao fundo enquanto caminhávamos pela savana, pois resolvemos dar uma folga as nossas companheiras “bikes”, e ver quão belo era aquele lugar onde estávamos pisando, alguns pela primeira vez, um local que não sairá da memória de nenhum de nós, é algo inexplicável. Por mais que se fale ou que se mostre imagens, apenas estando lá para sentir.

O banho se prolongou até o fim da tarde. Conversa jogada fora, de molho na imensa piscina natural formada abaixo da cachoeira e a imensidão de sua queda d’água ao nosso dispor. Antes mesmo de sair, já bate a vontade de voltar lá. Assim terminou o 2º dia, já com os preparativos para o retorno no 3º e último dia.

Cachoeiras para refrescar

Cachoeiras para refrescar

3º dia – 2º de outubro de 2014 – Retorno para Santa Elena de Uairém

Se o melhor tempero é a fome, o cansaço também ajuda a noite passar rapidamente. O sol majestoso, mais uma vez nos presenteou com sua beleza.. Teríamos os mesmos 90km de volta e as preocupações e cuidados seriam os mesmos. Novamente uma última reunião para relembrar dos cuidados da volta.

O relógio marcava 6h30 quando passamos sobre a cachoeira, seguindo para casa. A Serra do Sol e toda sua grandiosidade ficava para trás, a nos espreitar na partida. Savana, savana e um pouco mais de savana até chegarmos no Retentorzinho. O que na ida foi agonizante, agora, descendo, só se ouvia os “uhuhuuu” dos bikers alucinados serra abaixo.

Estávamos mais rápidos. O vento, que foi um inimigo na ida, agora nos ajudava. Mantivemos as mesmas paradas da ida para reidratação e alimentação. Às 10h30 dois dos nossos “compraram um terreno”. O primeiro a levantar catou a bike e seguiu. O segundo demorou para levantar e nem olhou para a bike – isso não é um bom sinal. Sentiu fortes dores no ombro e a preocupação tomou conta do grupo. Neste local, totalmente isolado, já houve casos de pessoas serem resgatadas de helicóptero, dado a dificuldades de se transitar com veículos 4×4 por lá.

Dois comprimidos de analgésico para garantir e aos poucos a dor foi melhorando; apesar de perder parte da mobilidade do ombro acidentado, nosso companheiro sabia que teria que ser forte e prosseguir a viagem, parar não era uma opção. Decidimos então dividir o grupo. Os três mais rápidos iriam a frente, até a cidade para buscar um carro e resgatar os demais. Até onde os carros 4×4 chegam com facilidade (rio da Divina Pastora) seriam 27km a menos e para quem já vem contundido e desgastado isso dá mais de uma hora de pedal.

O ritmo foi ótimo, com poucas e rápidas paradas, às 14h30 chegamos no rio da Divina Pastora. O calor já elevado nos convidou para um “mergulho” rápido em suas águas frias, refrescante, relaxante. Após 10 minutos demos início a mais 10km até onde tudo começou – a ponte de concreto. Na reta final, empurrados pelo vento, a adrenalina foi tomando conta e a velocidade média passou dos 45km/h na plana savana.

Enquanto isso, o segundo grupo resolveu que iria diminuir o tempo e a quantidade de paradas para não correr o risco de pegar parte do trajeto à noite. Sacrificaram um pouco mais seus corpos mas tomaram a decisão certa, pois conseguiram manter um ritmo forte mesmo com um companheiro contundido. Após mais 15km, agora de puro asfalto, chegamos na Pousada Del Guerreiro, onde o sr. Almir nos recebeu alucinado com a conquista deste feito. O relógio marcava 16h. Não demorou muito para tomar um banho, trocar de roupa e seguir com dois carros ao encontro dos companheiros que ficaram para trás. Para nossa surpresa, encontramos eles já no asfalto, esperando pela carona. Assim como nós, também tinham pressa em chegar.

Banho tomado, bikes e equipamentos embarcados, era hora de partir, mas antes “atacamos” uma pizzaria, pois ninguém queria nem ouvir falar em barras energéticas. Mais 230km de volta para Boa Vista e estava tudo acabado. Os corpos doloridos, mas a alma ao vento, alucinando ainda com a conquista de um objetivo há muito desejado.