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Vinicius Rangel na disputa do Mundial na Junior

Por Ana Nasquewitz /Fotos: Fernando Sousa
Especial para o Bikemagazine, de Harrogate

O brasileiro Vinicius Rangel, de 18 anos, encerrou o Mundial de Ciclismo de Estrada na disputa da categoria Junior em 48º lugar nesta quinta-feira (26 de setembro) em Yorkshire, na Inglaterra, depois de enfrentar uma queda no meio do percurso. Esta foi sua segunda vez em mundiais; no ano passado, ficou em 30º, na Áustria. “Estava descendo bem rápido, caí, escorreguei, a bicicleta enganchou em outra. Voltei, tentei recuperar, perseguir, mas os da frente estavam muito rápidos. No começo estava bem, tinha subidas duras, infelizmente quedas acontecem, faz parte do ciclismo, mas gostei bastante da prova. Mais um ano, mais uma experiência, mas pelo menos completei a prova”, contou.

Vinicius Rangel confirma que ficará mais uma temporada da Espanha

Antes da disputa, Vinicius, que integra a equipe Valverde Team-Terra Fecundis, projeto desenvolvido pelo atual campeão mundial Alejandro Valverde para as categorias de base, falou sobre sua trajetória no ciclismo, sua rotina de treinos e os planos para o futuro, com uma nova temporada na Espanha confirmada. Confira:

Como foi seu início no ciclismo?
Foi meio do nada na verdade, comecei com 13 anos por causa de um primo meu. Estava em um aniversário, ele me chamou e disse “domingo vou pedalar 100 quilômetros, você quer vir junto?” e eu não tinha ideia do quanto era essa distância. Eu tinha uma Caloi 10 de ferro e aceitei, e no dia quando estávamos antes da metade eu já perguntei se estava acabando porque não aguentava mais. Isso foi em Cabo Frio (R), fomos até Araruama, chegamos quase em Saquarema e voltamos, no final terminei empurrando a bicicleta de volta para casa.

Quais foram os passos seguintes, depois que você decidiu ser ciclista?
Depois deste dia com o meu primo fui para a escolinha de ciclismo do Marcos Coutinho, em Campos dos Goytacazes, e comecei a correr algumas corridas, e corri o primeiro brasileiro juvenil onde ganhei o primeiro contrarrelógio. Em 2016 fui para a equipe do Bucão (Renato Buck) – Iracemápolis e fiquei um ano lá, depois fui para Criciúma na a equipe do Maninho, onde vivi bem a rotina profissional de atleta. Depois tive um acidente correndo de mountain bike, quebrei o braço, voltei pra casa pra me recuperar, e então surgiu a oportunidade de eu entrar na equipe do Lauter Nogueira no Rio. Lá entrei na categoria Junior, e apesar do primeiro ano ser normalmente difícil me adaptei bem e fiz segundo lugar no brasileiro de estrada e de contrarrelógio. Então fui para o Pan-americano onde ganhei ainda mais experiência e fiz quarto lugar na prova de contrarrelógio. Logo depois fui para o Mundial de estrada na Áustria, onde ganhei muita experiência porque nunca tinha corrido com tanta gente, eram quase 200 pessoas no pelotão, todo mundo quer ganhar, chegar na frente, era difícil ganhar posição. Fui mais para ver como funcionava correr fora do Brasil, largar com tantas pessoas de alto nível, e fui bem. Neste ano foquei no Pan-Americano, fiz terceiro lugar no contrarrelógio e na prova de estrada. Infelizmente na prova de estrada faltando 4 quilômetros para acabar a prova, percebi que saiu a corrente, tentei colocar mas percebi que as marchas estavam trocando sozinhas. Fiz o meu melhor e no final quando fui arrancar a corrente escapou novamente. No ano passado, depois do mundial o Antonio Silvestre entrou em contato com o Sebastián Unzué, filho do Eusebio Unzué (team manager da Movistar), eles falaram com o Alejandro Valverde e então surgiu o convite. Em conjunto pensamos na mudança para a Espanha, para que eu adquirisse experiência de pelotão e também ficasse mais perto do Mundial, e então vim em julho para a Europa.

Como é o seu relacionamento com Alejandro Valverde?
Pedalo com ele quase sempre quando ele está em Murcia – ele parece um brasileiro, se dá bem com todos. Todos os dias saímos na grupeta do Valverde, ele fala com todos, brinca, não perdeu a essência, continua o mesmo, sempre querendo ganhar, isso faz com que ele não perca a juventude. O projeto é do Valverde mesmo, com a intenção de passar os melhores atletas para o profissional.

Aos 18 anos, Vinicius Rangel disputou seu segundo Mundial

Quais diferenças você percebeu entre as competições internacionais que você disputa e as provas disputadas no Brasil?
Para o atleta espanhol é necessário fazer uma seletiva para correr o campeonato nacional, por serem muitos atletas. Na região onde eu moro – Murcia – acontecem muitas corridas, até porque existem muitos ciclistas. Na Europa o atleta tem a esperança de ir da Junior direto para o profissional, e eles têm essa possibilidade, como acontece na Bélgica, por exemplo. Lá tem muito apoio e vários projetos são tocados ao mesmo tempo, com provas simultâneas em diferentes cidades, e no Brasil temos pouquíssimas corridas. E quando eu cheguei na Espanha e vi a estrutura da equipe – van, carro, bike reserva, suplementação para a corrida – percebi que todas as equipes são bem montadas, tem uniformes, tudo certo. E no Brasil é mais complicado porque a mídia não cobre, não passa ciclismo na televisão. Com isso, se um dono de marca quer patrocinar um ciclista, antes disso ele pensa: onde você vai divulgar a minha marca, onde ela vai aparecer, em qual horário e em qual canal de televisão? Na Espanha transmitem a Vuelta o dia todo no canal principal, desde a largada até depois da chegada.

Como são seus treinos?
Nesses dois meses na Espanha percebi muita diferença com relação à minha rotina no Brasil. Fiquei mais livre para treinar – no Brasil tinha que sair em determinado horário considerando o trânsito e a segurança, por exemplo em um momento em que houvesse menos carros nas ruas. No Rio já fui atropelado por um ônibus, minha equipe inteira já foi atropelada, mesmo todos estando com capacetes vermelhos e bem sinalizados. Aqui na Europa percebi muita diferença, os carros respeitam a distância de 1,5 metros para o ciclista, o carro espera para passar por você, é bem diferente – até pelo fato de o país ter a cultura do ciclismo. E na Espanha aumentou o volume rodado, nenhuma corrida tem menos de 90 quilômetros. Em uma semana faço cinco corridas, teve uma semana que fiz 7 corridas em 10 dias, então você acaba adquirindo o ritmo de corrida mais fácil. A Espanha não é terra de sprinter – eu não sou escalador, sou mais completo, bem misto. Sofro nas montanhas, e se eu perco peso não faço tão bem o crono. Tenho que equilibrar e saber mesclar para ficar bom em tudo – isso é o mais difícil.

Uma dúvida técnica: você corre com o pinhão travado?
Sim, 52-14. Aqui na Europa o pinhão já é feito para a Junior, são 11 velocidades, mas a última já é 14. É um cassete mais escalonado. Aqui você não alinha se a última catraca não for 14, se estiver com um cassete convencional e câmbio travado no 14 você, como fazem no Brasil, você não larga – eles fazem aferição em todas as corridas. E os belgas fazem 60 km/h com o pinhão travado, no mundial do ano passado com 60, 70 quilômetros de prova a velocidade média era de 50 km/h.

O que você tem a dizer sobre o ciclismo brasileiro?
Tem muita gente boa, muita gente pedala forte, mas não há apoio, não tem incentivo. No Brasil o menino começa a pedalar e a mãe não quer deixar que ele pedale, porque ela não vê futuro na carreira dele como ciclista. E com menina é pior ainda, não temos equipes femininas no Brasil – apenas a Memorial Girls, que é uma iniciativa muito interessante, elas correm meses na Bélgica. No meu caso a minha família me apoia, meus pais me incentivam, meu pai também pedala e quer que eu seja ciclista mesmo – isso me ajuda muito, porque ter a família contra atrapalha muito.

O que você pensa sobre as novas tecnologias de treino, como medidor de potência, rolo smart indoor, etc?
Hoje eu uso medidor de potência, e no Brasil não usava. Este ano voltei a treinar com o Marcos Coutinho, meu primeiro treinador, e ele me conhece muito bem, desde novo, sabe das minhas capacidades. Também treino com o técnico do time Junior do Valverde, Antonio Iniesta – ele sempre está comigo, treina todos os dias comigo. Ele tem uma bicicleta elétrica e nos orienta durante o treinamento, e no dia a dia ter alguém ali acompanhando faz muita diferença. Acompanhar a potência ajuda porque tem dias que você não acorda muito bem, seus batimentos cardíacos podem subir, mas a potência não tem variação. Fazemos testes de VO2 e potência na equipe – fiz quando cheguei na Espanha e fiz há uma semana, para analisar a evolução durante este tempo. Foi bom perceber que evoluí bastante, e pude ver essa evolução nos números, além de já estar me sentindo melhor. Eu particularmente não gosto de treinar em rolo, prefiro sair pra rodar – se eu fico meia hora no rolo parece que estou há dois dias ali, então mesmo que esteja caindo o mundo eu prefiro sair pra rodar, ou aproveitar aquele dia pra descansar.

Quais são seus objetivos para o futuro?
Passar o ano que vem me desenvolvendo na equipe, para que eles possam me observar mais, trabalharmos mais juntos, para que eu tenha o melhor desempenho possível nas voltas e possa passar para o profissional. Espero no ano que vem fazer toda a temporada  na Europa porque o nível aumenta demais : em dois meses fiz mais corridas do que faria o ano todo no Brasil, e corridas de nível, com várias montanhas.

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