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Texto: Carlos Delano – Fotos: Priscila Forone

Carlos Delano (20), Raphael Contin (23), Rodrigo Tavares (23) e Priscila Forone (25) se conheceram em uma prova de corrida de aventura. Sabemos que é difícil, mas acreditamos que é possível equilibrar a vontade de conhecer o mundo de maneiras alternativas com a necessidade de enquadrar-se nas regras que a sociedade impõe. Por isso ainda fazemos isso…

Foram gastos dois meses para planejamento e preparação. Fora o cuidado com o preparo físico. Antes de forçar os pedais e sentir o barulho dos pneus na poeira pantaneira, foi preciso enfrentar uma maratona de contatos com possíveis patrocinadores, pesquisar sobre a fauna, flora e geografia da região.

A partida ocorreu no dia 17 de Julho e contou com a presença da imprensa e familiares dos aventureiros. Foi neste momento que a expedição deixou de existir apenas no papel e tomou corpo. O maior perigo de todos já era passado: o de não partir. Pegamos a estrada de Curitiba até Andirá, no norte do Paraná, onde pernoitamos. Já no dia 18, a parada foi em Campo Grande; no dia 19 passamos a cidade de Cuiabá e dormimos em Poconé, no estado do Mato Grosso; a cidade que é a entrada do Pantanal. Alforjes cheios, bikes revisadas, café da manhã tomado; é hora de conhecer a estrada Transpantaneira, que para nós era, ainda, apenas um risco no mapa. Os primeiros momentos de pedalada revelam uma rodovia como qualquer outra, mas os tuiuiús, juçanãs e biguás que cruzam a pista voando de vez em quando denunciam a fauna peculiar. Estamos no Pantanal!

Seguimos até um vilarejo chamado Pixaim, foram 60 quilômetros que fizemos em 8 vagarosas horas, devido ao calor intenso e ao grande número de paradas para fotografar e filmar. O hotel em que nos hospedamos (Mato Grosso Pantanal) era ótimo. No dia seguinte acordamos bem cedo para completar a rodovia Transpantaneira. Seriam 90 quilômetros, o maior trecho percorrido em um único dia durante toda a viagem. A quilometragem diária era muito baixa, pois a estrada de terra dificulta a progressão e parávamos muito para tirar fotografias e filmar.

A temperatura tórrida nos obrigou a achar uma maneira alternativa para nos refrescarmos: os pequenos lagos que restaram da época das cheias mostraram-se ótimos oásis, apesar dos jacarés que neles residiam, os quais tínhamos que afastar com gritos. Como a pedalada seria longa, procuramos nos manter bem alimentados e hidratados para manter um ritmo constante. Muita água. Finalmente chegamos em Porto Jofre no dia 21 de Julho às 20:30, depois de termos assistido a um belíssimo por do sol e a um céu estrelado como há muito não víamos.

A pesca é a atividade turística principal nesta localidade, que fica às margens do rio Cuiabá. Dormimos em um camping repleto de pescadores, que se mostraram muito curiosos pela nossa aventura. Ganhamos até um passeio de barco de um dos nossos novos amigos. Fomos a uma casa abandonada onde quase pisei em uma sucuri. Susto! Começamos o caminho de volta pela transpantaneira logo após o almoço do dia 22, pois pretendíamos passar a noite na Reserva Ecológica do Jaguar, que alcançamos às 19:30, com a noite já cobrindo o Pantanal.

O dia 23 de Julho foi de comemoração, pois era aniversário do Raphael. Fomos fazer uma caminhada na mata para tentar fotografar macacos. Vimos dois macacos-pregos e tiramos boas fotos. Belo presente. Ainda pela manhã, forçamos os pedais de nossas bikes e saímos estalando as correntes rumo a Pixaim, local ao qual chegamos no fim da tarde. No dia seguinte, acordamos antes do sol nascer para fazer outro passeio de barco. Vimos uma bela alvorada e os pássaros acordando. Após isso, tomamos nosso café e partimos para Poconé, onde acabaria o nosso percurso no pantanal norte. Enquanto pedalávamos o sol da transpantaneira se pôs, nos dando adeus. Chegamos ao nosso destino próximo às 19 horas. A primeira parte do projeto estava concluída.

Os dois dias que se seguiram, 24 e 25, foram gastos no deslocamento de carro entre Poconé e Corumbá. Fizemos um pernoite intermediário em Campo Grande.

Depois do ânimo refeito e com os alforjes bem mais leves devido ao peso a menos das bugigangas que se mostraram inúteis no Pantanal Norte, amanhecemos o dia 26 com fome de poeira. O dia estava muito chuvoso e frio, mas a Estrada – Parque era o próximo desafio e nós precisávamos e desejávamos encontrá-la imensamente. Bem cedo pusemos os pneus na estrada. Já no início enfrentamos uma serra muito íngreme. Do seu topo pudemos contemplar toda a planície do Pantanal. O suor que se acumulou nos nossos rostos durante a subida, misturou-se à chuva fina que caía evaporou e rapidamente durante a descida veloz da serra. A partir daí o terreno seria todo plano. Vindos do calor de quase 40º C da Transpantaneira, enfrentávamos agora uma temperatura de menos de 10 graus.

Pedalávamos de anorak. Havia uma frente fria sobre a região do Pantanal. Neste dia pretendíamos pedalar 70 quilômetros até a Curva do Leque, mas ao chegarmos no ponto em que a Estrada Parque cruza o rio Paraguai, soubemos que aquele era o último lugar em que encontraríamos pouso nos próximos 50 quilômetros. A chuva e o frio também pesaram na decisão: resolvemos diminuir em 20 km o percurso do dia ficar para dormir ali.

Para nossa alegria o dia 27 amanheceu claro. A frente fria já havia ido embora levando a chuva. Só deixara um rastro de vento gelado e cortante. Nos sentimos em casa, pois o frio estava bem à moda curitibana. Deixamos então o Porto da Manga para chegar ao fim da Estrada – Parque: o vilarejo Passo do Lontra, que fica às margens do rio Miranda. Nos hospedamos na pousada Cabana do Lontra. O dia ainda estava claro quando chegamos. Estávamos acompanhados por uma cadelinha vira-latas que nos seguira pelos últimos 20 km e que parecia estar com muita fome. Jantamos bem, alimentamos nossa amiga cadelinha e dormimos o sono dos justos.

Durante todo o trajeto de volta (Passo do Lontra – Corumbá), o gosto foi de despedida. Pontes e pores do sol ganham um tom sutil de melancolia. Dormimos novamente em Porto da Manga. No dia seguinte chegamos em Corumbá. Ir pra casa é a parte chata. Enquanto estávamos pedalando, tudo parecia tão intenso que não seria necessário voltar à velha vida. Todos os animais, rios e as mais de 200 pontes que estiveram no nosso percurso de quase 600 km agora são parte de nós.

Dói muito, mas é preciso deixar o Pantanal. Levamos ele conosco, para sempre. Voltaremos para nos transformarmos de novo em engrenagens da mecânica da vida urbana. Mas o espírito continua o mesmo. O mundo está diante de nós esperando para ser explorado. Há quem diga que quem escolhe viajar de bicicleta não é normal, que paga para sofrer e que isso não é vida. Depois de voltar de uma viagem como essa, tenho pena dos que dizem isso e nem sequer sonham em sentir o que sentimos. Se aventura não é vida, mal sabem que viver não é tão necessário quanto se aventurar.