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Mensageiros que usam a bicicleta como meio de transporte são tão antigos quanto a própria bicicleta

Mensageiros que usam a bicicleta como meio de transporte garantem agilidade

Marcos Adami / Do Bikemagazine
Fotos de divulgação
Publicado com autorização da revista Bike Action 

Os bike couriers, ou bike mensageiros, são realidade nas metrópoles em que o trânsito faz muita gente perder tempo. Com a agilidade a favor, já que, diferentemente das motocicletas, a bicicleta pode ser carregada nos ombros ou empurrada e o ciclista pode atravessar canteiros, usar passarelas e passagens de pedestres, sem contar que, na hora de estacionar, basta prendê-la com cadeado em algum ponto seguro sem correr o risco de ser multado, os mensageiros de duas rodas ganham espaço.

No Brasil, cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Curitiba e outras capitais já têm empresas que atuam no serviço de entregas rápidas. Apesar de todo o avanço tecnológico dos meios de comunicação, em que e-mail, SMS e aplicativos de trocas de mensagens instantâneas dominam a era digital, o mercado de entrega rápida de documentos e encomendas não para de crescer e exige cada vez mais soluções que driblem o caos do trânsito.

Bike mensageiro aparece em selo de 1902 dos EUA

Bike mensageiro aparece em selo de 1902 dos EUA

DO VELHO OESTE AO JAPÃO

Mensageiros que usam a bicicleta como meio de transporte são tão antigos quanto a própria bicicleta e remontam ao final do século 19, quando os correios de vários países já utilizavam e ainda utilizam o serviço de bike couriers para a entrega de telegramas e mensagens urgentes.

Empresas privadas de entrega de encomendas, como a norte-americana Western Union, que começou suas atividades em 1890, na época do “Velho Oeste” com as famosas diligências do filmes de faroeste, também confiaram seus serviços a mensageiros em duas rodas em São Francisco, Nova York e outras grandes cidades norte-americanas. Na mesma época, na Europa, a bolsa de valores de Paris também tinha um departamento de entrega de documentos feito por ciclistas.

Uma das primeiras empresas de bike courier que se tem registro foi fundada em 1945 em São Francisco, por Carl Sparks. A empresa mudou de nome para Aero e foi adquirida em 1998 pela CitySprint.

Na Inglaterra, os bike couriers ressurgiram na década de 80 com as empresas “On Yer Bike” e “Pedal-Pushers”. O serviço começou a ganhar força novamente e alguns fabricantes de bikes surgiram para atender a esse mercado com modelos especialmente construídos para os bike couriers, como as famosas MuddyFox Courier, que eram mountain bikes com quadro de cromo-molibdênio e 10 marchas.

Entregas de bicicleta estão cada vez mais comuns nas grandes cidades

Entregas de bicicleta estão cada vez mais comuns nas grandes cidades

Na mesma época, a cidade de Berlim, na Alemanha, recebeu pela primeira vez o Campeonato Mundial de Bike Couriers, que reuniu mais de 400 mensageiros vindos dos Estados Unidos, Canadá e de vários países da Europa.

O serviço de bike courier foi ganhando cada vez mais adeptos e hoje os mensageiros de bicicleta são presença garantida nas grandes cidades mundo afora, onde se destacam Londres, Nova York, São Francisco, México, Bogotá, Buenos Aires, Tóquio e também em cidades da Ásia e Oceania – até mesmo Istambul, na Turquia, já conta com bike couriers.

MOBILIDADE COM RESPONSABILIDADE

No Brasil, uma das primeiras empresas a oferecer serviços de bike courier foi a Carbono Zero (carbonozerocourier.com.br), de São Paulo, que tem sede no bairro de Pinheiros desde 2010 e atende clientes localizados num raio de até 9km. Outra empresa que atua em São Paulo é a Loggi (www.loggi.com.br), empresa de logística e de motofrete que inaugurou recentemente o serviço de bike-entrega que tem como objetivo cobrir distâncias menores que 4km.

“O mercado brasileiro de motofrete é um dos maiores do mundo, mas é caracterizado por problemas estruturais que a Loggi quer resolver de forma proativa, como, por exemplo, dar mais autonomia para que o prestador possa otimizar suas rotas e a possibilidade de uma remuneração maior por seus serviços. Do outro lado, em uma cidade como São Paulo, onde a velocidade média dos carros não passa de 18 km/h, todos procuram por um serviço de logística que realmente simplifique sua vida. Conseguimos agora unir tudo isso colaborando para a preservação do meio ambiente”, destaca Fabien Mendez, CEO da Loggi. A empresa tem uma plataforma online que permite que qualquer pessoa com apenas dois cliques solicite um mensageiro, rastreie a entrega em tempo real e pague por cartão de crédito ou boleto mensal. Os mensageiros cadastrados podem aceitar ou rejeitar o pedido por meio de um aplicativo de celular.

Paixão por bikes marcou início do trabalho da Cooperativa Vélo Courier, em Porto Alegre

Paixão por bikes marcou início do trabalho da Cooperativa Vélo Courier, em Porto Alegre

Em Porto Alegre (RS), a Cooperativa Vélo Courier (www.velocourier.com) atua há dois anos na região metropolitana da capital gaúcha e a empresa nasceu da paixão pela bicicleta com a preocupação com o meio ambiente. “Eu e um colega pedalávamos bastante, pois amamos o ciclismo. Então, começamos a fazer entregas e ganhar algum dinheiro. Fora isso, Porto Alegre é lotada de carros. É uma também uma questão de mobilidade e gostamos de dar o bom exemplo, afinal, quanto mais gente andar de bike, mais pessoas serão influenciadas a pedalar”, afirma Alex Magnum de 22 anos, um dos sócios proprietários e fundadores da Vélo Courier.

A cooperativa está localizada na zona Sul da capital gaúcha e a área de atuação dos bike-boys – como Magnum chama os mensageiros – vai do centro até a zona norte e sul. As cidades da região metropolitana, como Novo Hamburgo, Gravataí e São Leopoldo, também são atendidas pela Vélo Courier por meio de parcerias com outras empresas de bike courier como a SpeedRacer, Bicicletas Voadoras e Bici Entrega. “Com agendamento, atendemos qualquer ponto na cidade”, garante Magnum.

Por ser uma cooperativa, os entregadores da Vélo Courier atendem o telefone e fazem a entrega ou coleta e pedalam em média 60km por dia, em dois turnos, e cada courier atende cerca de 10 pedidos por dia. As solicitações chegam por telefone, mas também pelo site da empresa, Facebook e também pelo WhatsApp. “Nossa divulgação foi feita basicamente toda pelo Facebook. Não usamos folhetos por uma questão de respeito ao meio ambiente”.

Boa parte dos clientes da empresa de Magnum é formada por amigos que se conheceram no meio ciclístico ou em eventos de cicloativismo do tipo “Massa Crítica”, a maioria de escritórios de profissionais liberais. A única restrição é para produtos alimentícios e para produtos muito frágeis. A grande maioria das entregas é de envelopes e pequenos volumes de até 2kg com tamanho máximo de até 40cmx40cm. O valor do serviço varia de R$ 8 a R$ 20, dependendo da distância e do peso do objeto.

Na maior cidade do Brasil, outra empresa, a Carbono Zero, criou um complexo sistema de tarifação baseado na métrica denominada “Pedalada”, que custa R$ 12. Uma entrega distante 9km da base em Pinheiros equivale a 4 pedaladas ou R$ 48,00. A empresa cobra também pelo tempo de espera, com tolerância de 30 minutos. Acima disso, é cobrado meia pedalada (R$ 6) a cada 20 minutos.

PERIGOS E CUIDADOS

Pressa, engarrafamentos e motoristas estressados definitivamente não combinam com bicicleta. O trabalho de um bike courier, além de cansativo por conta dos horários apertados e das altas quilometragens diárias, é sujeito aos perigos do trânsito. “A cidade não está preparada para esse novo modal”, desabafa Alex Magnum.

Mas os riscos não são um privilégio somente do Brasil. Em 2002, um estudo conduzido pela Escola de Medicina de Harvard junto aos couriers de Boston, nos Estados Unidos, concluiu que a taxa de ocorrência de acidentes com afastamento do trabalho é 13 vezes maior do que qualquer outra atividade profissional naquele país e três vezes maior que o segundo grupo, os trabalhadores da indústria da carne.

Bike couriers inspiram lançamentos, como as bolsas para mensageiros

Bike couriers inspiram lançamentos, como as bolsas para mensageiros

MODA FIXIE
Desde o ano 2000, os bike couriers inspiram todo um comportamento e estilo. Bikes com pinhão fixo, também conhecidas como “fixies”, e as bolsas de mensageiro com uma alça, usadas a tiracolo, são apenas um exemplo da moda que nasceu do trabalho dos mensageiros.

Joseph Gordon-Levitt vive bike courier no filme Premium Rush

Joseph Gordon-Levitt vive bike courier no filme Premium Rush

MENSAGEIROS NO CINEMA
Filmes que mostram um pouco da vida dos bike couriers:

Quicksilver – Filme de 1987 estrelado por Kevin Bacon. VEJA TRAILER

Premium Rush (Perigo Por Encomenda) – Filme de 2012 mostra as aventuras de um bike courier em Manhattan que é perseguido por um policial corrupto. VEJA REPORTAGEM

Dark Angel – O seriado de ficção científica que estreou em 2000 nos EUA retrata a vida de uma mensageira (Jéssica Alba) numa Seattle pós-apocalíptica.

FERRAMENTAS DE TRABALHO

Para os couriers, as bike são ferramentas de trabalho e por esse motivo toda economia é benvinda. As bikes perfeitas são aquelas de baixo custo de manutenção e baixo preço de aquisição. Resistência, durabilidade e, de preferência, pouco visadas por ladrões.

Em Londres, por exemplo, as bikes de pinhão fixo são as preferidas, pois não têm câmbio e tampouco freios. “Londres é uma cidade basicamente plana e uma marcha só é o suficiente. Menos componentes significa menos gastos com manutenção”, explica o paulistano Flávio Nonato, que trabalhou como bike courier na capital britânica durante três anos (veja abaixo).

As bikes de pinhão fixo são também a opção escolhida por alguns ciclistas da Vélo Courier de Porto Alegre.

“Gostamos muito da Caloi 10. O quadro é de aço e, caso quebre, a solda é fácil de fazer. Eu comprei uma usada e adaptei para pinhão fixo e com freio em ambas as rodas. Aqui no Sul a Caloi 10 é uma religião”, conta Alex Magnum.

No Brasil, há quem use bikes fixas, mas a grande maioria usa mesmo as mountain bike mais populares, com componentes mais simples.

Bike fixa da Tre3e

Bike fixa da Tre3e, empresa de Flávio Nonato, que já foi bike courier em Londres

BRASILEIRO EM LONDRES

Nos anos de 2002, 2003 e 2004, Flávio Nonato trabalhou – e muito – como bike courier. “Eu trabalhava de delivery à noite numa pizzaria e um amigo me convidou para trabalhar na Pegasus, uma empresa de bike courier. No outro dia eu já estava empregado na Pegasus, meu primeiro trabalho como courier. Eu sempre gostei de bikes”.

Bike courier: trabalho duro no inverno

Bike courier: trabalho duro no inverno

Nonato chegou a cumprir jornadas de 120 ou 150km diários, com até 20 ou 30 entregas diárias. “De minha casa até o trabalho eram 15km só para ir. Num dia tranquilo eu rodava até 80km”.

A primeira bike do brasileiro foi uma Peugeot usada, com quadro cachimbado, que Nonato tratou logo de depenar paralamas e outros acessórios e colocar roda fixa e deixar com cara de “fixa londrina”. Um ano mais tarde, Nonato comprou outra bike fixa própria para o serviço de entregas. “Mudou da água para o vinho. Era bem melhor.”

As entregas abrangiam um raio de 10km da base da Pegasus, localizada na região conhecida como City, o coração financeiro da Grã-Bretanha. “Fora desse raio, as entregas eram de motocicleta.”

Os brasileiros formam um grande contingente de profissionais no segmento de entregas expressas em Londres, a maioria deles como motociclistas, mas há muitos brasileiros que atuam como bike couriers também.

A remuneração do biker é por entrega e o preço para o cliente depende da urgência e da distância percorrida, que é baseada nos códigos postais da cidade.

O salário de um courier varia de 200 a 300 libras (cerca R$ 1.200,00) por semana, mas Nonato garante que já chegou a tirar excepcionalmente até 400 libras numa semana. “Dava para pagar o aluguel tranquilamente e ainda sobrava uma boa grana.”

No verão chega a faltar emprego para tantos couriers interessados em levantar um dinheiro e curtir os dias bonitos de junho, julho e agosto. Mas, nos dias chuvosos e frios de inverno, que escurecem a partir das 15h30, a coisa muda totalmente e só os mais corajosos encaram o desafio. Nonato conta que em alguns dias mais gelados, ou com neve, ele dava um tempo. “Acho que hoje em dia eu não encararia”, confessa.