
Avancini na vitória em Cota, na Colômbia
Do Bikemagazine
Fotos de divulgação / Maximiliano Blanco
A vitória de Henrique Avancini no Pan-Americano de MTB, na Colômbia, neste domingo (29 de março), representou muito mais do que o título ou os 200 pontos no ranking da UCI. A vitória em uma das provas mais difíceis do calendário pré-olímpico de 2015 representou motivação. Pensou em Rio 2016? Acertou.
Após a vibrante conquista do título, Avancini, que integra desde o início da temporada a equipe de fábrica da Cannondale, contou como construiu a vitória, a 2.600 metros de altitude. “Faltando duas voltas, arrisquei tudo e fiquei muito contente em trazer esse ouro para o Brasil, principalmente para superar aquele gostinho amargo que havia ficado ano passado, quando tive problemas na bicicleta e não consegui uma boa colocação competindo em casa.” Barbacena (MG), enfim, ficou para trás.

Avancini e a vibração pela conquista na Colômbia
Em sua página no Facebook, o atleta brasileiro mais bem posicionado no ranking UCI escreveu um belo relato sobre a conquista. Confira:
“Em 2006, ganhei minha primeira medalha de ouro num Campeonato Pan-Americano de MTB, na categoria Junior. De lá pra cá, passei por muitas mudanças, experiências e aprendizados.
Com o ouro conquistado, agora como elite, dá pra dizer que fui abençoado por Deus nesses anos.
O planejamento desta temporada foi mais do que pensado. O maior benefício da minha entrada na CFR foi ter a liberdade de “sacrificar” o rendimento em provas menos importantes e dar atenção maior às principais competições.
Ganhei a Taça Brasil, depois segui para o Chipre, onde eu deveria fazer uma prova mais no limite, como teste para ver onde eu estaria. Voltei ao Brasil para competir “mais morto do que vivo” em Araxá. O que foi ótimo. Em competições onde o físico não responde, vale a preparação mental para suportar o stress e para correr com inteligência. Após Araxá, passei uns dias em casa e viajei para Colômbia para um período de treinamento com meu mestre. Escolhi viajar para Colômbia para que o efeito pós-prova não fosse tão agressivo.
A aclimatação na altitude é importante, mas para uma prova de um dia confesso que a diferença de rendimento não é tão grande (pelo menos pra mim).
Uma vez meu médico José Kawazzoe me disse que, quando se compete na altitude, em parte o efeito é fisiológico e em parte psicológico. E faz muito sentido. Alguns atletas acham que se fizer aclimatação – e fizer da maneira correta – vai chegar a 2600 e andar como se estivesse na praia. Sonha garoto!
Você só rende quando se convence que aquela sensação de mal estar, respiração mais forte, pouco torque, recuperação mais lenta, náusea e visão embaçada acontece com todos! Mesmo os caras que nasceram, treinam e vivem nessa altitude. Só que é uma sensação muito ruim. Você se sente mole, quanto mais força faz, só aumenta a vontade de vomitar e é difícil convencer sua mente que está tudo bem e que ela pode deixar o corpo continuar moendo…
Sinceramente, fui campeão Pan-Americano antes mesmo de largar, pois estava claro pro meu corpo e mente que eu teria que lidar com esse sensação.
Ganhar dos colombianos na Colômbia é quase um mito. Sinceramente, os caras voam aqui e andam como os melhores do mundo. Prova disso: fizeram 2°,3° e 4°. Em quinto ficou o canadenses Raphael Gagne, que está voando e ganhou uma etapa e fez segundo em outra da US Cup, nas semanas anteriores e inclusive ganhando de algumas estrelas do circuito mundial.

No duro circuito da disputa em Cota, na Colômbia, Avancini optou por coroa de 34 dentes
A corrida. Ô circuitinho duro! Competi todas as provas desse ano com coroa 36, mas nessa pista tive que abaixar a bola e colocar uma com 34 dentes.
Sabia que eu deveria controlar a intensidade em algumas partes para não sair do meu ritmo e “esgoelar” nos vários topes curtos. Competi leve e muito potente, por isso conseguiria fazer diferença nas partes explosivas. Largamos e na primeira volta tentei não me matar logo no começo. No começo da volta estava em quarto. Paolo Montoya liderava, seguido pelo argentino Soto e pelo americano e defensor do título Stephen Ettinger. No meio do caminho consegui lançar uma aceleração e passar o Soto e o Ettinger.
O americano reagiu e seguiu na minha roda. Logo depois alcancei o costa-riquenho que já pagava a conta pela largada absurdamente forte. Quando passei por ele o Ettinger veio junto e já abrimos uma pequena vantagem pro grupo. Em uma subida mais dura, escutei a respiração do americano e o peito dele já roncava alto.
Comecei a abrir dele, mas estava controlando o ritmo. Competir no XCO é muito auto-conhecimento. Não dá pra controlar o ritmo que você está. Você tem que sentir em qual ritmo está e na altitude essa sensibilidade é ainda mais importante, porque quando você “explode” não volta nunca mais. Na parte baixa da pista, vinham os topes lançados e ali eu andava sob controle. Abri uma pequena vantagem e fechei a primeira volta com cerca de 10 segundos a frente, perseguido por dois colombianos e o americano.
Olhei pra trás e pensei: agora só depende de fazer a prova certa, porque esses caras vão sofrer pra me pegar. Segunda volta e no circuito lotado eu só ouvia aquela onda de gente berrando alguns segundos depois que eu passava. Era a dupla colombiana Mejia e Paez vindo… Mas eu tinha algumas poucas vozes ao meu favor e que iam fundo nos meus ouvidos. Principalmente do meu treinador Helio de Souza, mas não vou falar dele. Só que esse cara é outro nível…
Terceira volta e as pernas já doíam como seu tivesse levado uma surra. Como diz um parceiro de equipe: É depois da terceira-quarta volta que a dor bate a porta e aí deixa de ser só físico e passa a ser mental.
Segui sobrevivendo e a diferença era de cerca de 20-25 segundos na quarta volta. Na quinta, de um total de sete, pensei: Agora tenho que “diminuir” esses caras. Tenho que definir a corrida agora.”
Fiz aquela volta e a diferença subiu pra 50 segundos, na sexta volta cheguei a ter 1 minuto e 20, o que é muito tempo pro XCO. Na última volta, pilotei como se estivesse em uma pista de ovos. Eu tinha a vantagem necessária pra poupar o equipamento. Mais uma vez, manter a cabeça limpa e sem emoções faz uma diferença absurda nesses momentos. Emoção serve na preparação, na competição o atleta tem que ter sangue frio.
Mas nos últimos 100 metros, aí não dá mais. Às vezes não quero mas o grito explode na garganta… Não é todo dia que a gente é campeão Pan-Americano de XCO!
Se está bom? Não. Longe disso… Segue a vida e ta chegando a hora de espremer a cana de verdade.
Ainda tenho boa margem de melhora e muita vontade. Obrigado meu Deus, por colocar as pessoas certas ao meu lado. A medalha é só uma, mas o mérito é de alguns.
E dá licença que eu tenho um treino pra fazer.”



